sexta-feira, 25 de setembro de 2015

MUSEU DE JOSÉ MALHOA

"E o seu triunfo foi mesmo até à criação do Museu José Malhoa, na sua terra natal, ainda em sua vida em 33."



José Augusto França, no seu A ARTE EM PORTUGAL NO SÉCULO XIX, segundo volume, numa nota sobre o museu não faz referência a(o) arquitectos autore(s) do projecto, Eugénio Corrêa,(1898-1987), e...Paulino Montez.

Eugénio Corrêa nasceu em Sintra em1898,  estudou arquitectura em Lisboa, na ESBAL.
Um primeiro projecto em Chaves, uma pequena casa, hoje património municipal, outro a sua própria casa de família, modesta casa, de única divisão e ampla varanda sobre a várzea e o rio Tâmega.
Foi director da SNBA, nos anos  da segunda guerra, foi  promotor da exposição de Arte Alemã, que trouxe a Lisboa a visita de Albert Speer, arquitecto do Reich, cuja agenda incluía uma visita ao Terreiro do Paço, e outros pontos da cidade.
Após a natural polémica suscitada pela exposição alemã, promoveu a congénere de Arte Britânica, que deixou sanada (?), a neutralidade oficial portuguesa.
Desenhou o bairro dos pescadores de Olhão, em Pegões a Igreja, com sua cobertura ogival e assumido sentido estético modernista, outra Igreja em Sesimbra, na planície defronte ao castelo e o museu Malhoa.
Foi inspector das obras públicas no Estado Novo. Membro da Academia de História e da Academia de Belas Artes.
Em 1978, inscreveu a aldeia do Piódão como aldeia histórica, de interesse público, e procedeu à sua electrificação pública e saneamento básico. Em Arganil desenhou a rede de esgotos.

Na pág. 298 nota 808, " ver António Montês, «Como se faz um museu - o Museu José Malhoa nas Caldas da Rainha» (dissertação para exame final de Conservador dos Museus, 1946). Foi inaugurado em 28/4/1934, no aniversário do nascimento do pintor, falecido em 26 de Outubro anterior. Ali foi comemorado o centenário do nascimento de Malhoa, em 1955, com uma grande exposição de homenagem. Por seu lado, na comissão nacional de 1928 contou-se o ministro Duarte Pacheco, republicano afecto à Ditadura, o monárquico Jorge Colaço e o Prof. Egas Moniz, figura da oposição."
E ainda se engana, quando diz ter sido inaugurado em vida do pintor, em 33, quando esta foi em 34, como na nota citada se escreve.
Porque foi um projecto museológico pensado de raiz, e não uma instalação que aproveitasse um convento, ou outra  pré-existente edificação, como foi sempre a opção encontrada em Portugal até ai, e por ser por isso mesmo caso único, julgo merecer uma mais desenvolvida atenção.
Por outro lado NO CENTENÁRIO DE MESTRE JOSÉ MALHÔA, Caldas da Rainha, 1955, exposição homenagem, também não se dá conta nem da autoria do edifício museu, nem do seu particular pioneirismo modernista, no panorama museológico nacional.
Nas actuais brochuras no museu, bem como no site oficial do mesmo, também não se refere essa peculiar raridade, que é a de um projecto arquitectónico, destinado a albergar obras do naturalismo português, com vários autores, pintores e escultores, e com um arranjo de espaço exterior ajardinado e destinado a recolher umas quantas peças de escultura, ter sido integralmente "pensado", nesse ano longínquo de 34.
Realça-se assim a vontade modernista do arquitecto, expressa nas linhas "clássicas", da colunata da entrada, que contrasta com o seu interior, inteiramente modernista, no tratamento da luz, inovador "para a época", luz equilibrada e dirigida, na sua relação funcional, destinada a  espaço expositivo, de protecção da pintura, realçando a sua pública fruição.
Sendo por isso um caso único em portugal, onde só nos nossos dias encontramos, o espaço do museu, enquanto lugar pedagógico, não confinado simplesmente a essa função restrita, mas acrescentando "algo mais", à interpretação actualizada das obras, à sua hermenêutica.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Cinco Artistas em Sintra


Em 1809 Lord Byron visitou Sintra, que ajudou a inscrever no imaginário europeu, como um paraíso romântico (Child Harold´s Pilgrimage, canto I,18). Naturalmente associado a Sintra e a Byron, está o quadro, "Cinco Artistas em Sintra", de 1855 (óleo sobre tela;128,8 x 86,3 cm, actualmente no museu do Chiado, de João Cristino da Silva. Representa cinco artistas no campo, desenhando do natural, Anunciação sentado no centro, atrás dele, Metrass de pé, aldeões observam curiosos, à direita num segundo plano estão Bastos e Cristino de pé, sentado e desenhando também Rodrigues, ao longe o castelo da pena, numa premonição curiosa, pois o príncipe Saxe Coburgo-Gotha haveria de adquirir a obra.O glorius Eden invenção do poeta apropriou-se da montanha da lua, e mitificou-a em roteiro europeu do Romantismo. 
A seguir Tomás de Anunciação (1818-1879), Francisco Metrass (1825-1861), Vitor Bastos(1829-1894), José Rodrigues (1828-1887), e João Cristino da Silva (1829-1877) saiam dos seus ateliers e da suas gramáticas escolares, percorrendo saudavelmente, as veredas da serra, a ver os ares e as gentes. Pertencem pois ao ciclo do romantismo, que entre nós, chega com um atraso de uma geração, praticam uma pintura de paisagem e o retrato, e têm o culto da natureza.
No liberalismo institucionalizado em 1834, a fundação de museus e academias nacionais em Lisboa e Porto, não chegavam para preencher as lacunas dum enquadramento cultural periférico, com poucos estímulos profissionais. 
O grupo hostilizava com fundamento o ensino personificado em Lisboa por António Manuel da Fonseca, preferindo seguir as influências de A. Roquemont (1804-1852), que veio para o país servir D. Miguel, de quem pintou o retrato. Este pintor de costumes populares, romarias  e procissões, cenas rustícas do quotidiano, nascido na Suiça, servia uma clientela de velhos aristocratas e novos-ricos.
O programa deste grupo de jovens artistas, se o houve, reunido em torno de Tomás de Anunciação, o mais velho, bom desenhador e sobretudo animalista, que escolhia a hora dourada sobre os campos, (como os fotógrafos haveriam mais tarde, também de realçar), a hora nostálgica do poente, em contraposição à geração seguinte, ar livrista, que preferiu a plena luz do dia. Anunciação pintou vacas, cavalos ovelhas e cabras. Cristino paisagista, deixou-nos além do retrato colectivo, programático do romantismo, outro exemplar registo da visão romântica da paisagem, no quadro "Aspectos de Sintra". 
Esse sentido de geração evidente no grupo de cinco artistas, reunido à volta de Anunciação, substituía as gravuras referenciais do academismo pelos temas captados directamente, por um levantamento das vistas de paisagens portuguesas, descobrir os camponeses, que sem revolução industrial, mantinha a sua pele rústica e analfabeta, vestida de ancestral ideologia católica. 
Ao misturar-se com esses camponeses estes artistas marcam o seu lugar sociológico, divididos entre a inspiração e a conquista do seu lugar sócio profissional na sociedade. 
Sem beneficiar de bolsas de formação no estrangeiro, a pintura por eles produzida, ultrapassou essas limitações pela procura de efeitos dramáticos, e por um sentimento subjectivo da paisagem natural. Só mais tarde denominado romântico, em acordo estético mais consonante com os ciclos da história literária, e mesmo assim sem a vivência desta, animou a epiderme artística da capital, na acalmia do desenvolvimento económico regenerador liberal. 
Em mostras anuais promovidas pela Sociedade de Belas Artes onde se sorteavam entre os sócios os prémios, permitindo a formação de um público, que se estendia à importante colónia brasileira, que apreciava um registo de paisagens e costumes doces e neutrais, (equivalentes plásticos dos romances de Júlio Dinis). A imagem de um bom povo pitoresco, entristecido, que habitava espaços rurais, que a nascente revolução industrial, deixava, (e deixaria ainda por muito tempo), intactas. 
Sintra oferecia-se assim à iconografia internacional, espaço amplo do grall romântico nacional, em dois quadros que Cristino expunha nos salões da Sociedade promotora das Belas Artes, antes de morrer louco. 
De frente para a tela, recordamos os poemas de Byron e de Garrett, cuja correspondência plástica aqui tem referência final. Agreste e vasta planície, a rocha ao centro, que tudo oculta e parece romper o rectângulo do quadro. E ao longe o delirante castelo neomedieval, sonhado e realizado por D. Fernando II. A pena maravilha quase sem rival "lá fora". 
O quadro, pela posição da torre do relógio do lado esquerdo, parece ter sido captado num ponto a sudoeste, em direcção ao mar. 
Sabemos também que naquela data, a vegetação arbórea  não existia, as árvores e as manchas apareciam apenas em determinados pontos, nas fraldas da serra e vales profundos, onde havia água ou junto da vila. 
Cristino  parece ter seguido de perto o figurino iconográfico da pintura alemã, transcendente e sublime. As massas de rocha sempre fascinaram os visitantes de Sintra com a sua plasticidade pétrea. E nesta pintura a massa rochosa quase domina o enquadramento, encobrindo o horizonte fazendo do primeiro plano o lugar cenográfico onde ocorre a cena principal. 
Mas a paisagem seria em portugal apenas ocasião para o pitoresco e discreto sentimentalismo. O pitoresco era garantido pelo fechamento do país ao progresso, "ainda se viajava de liteira pelos difíceis caminhos do interior", os estrangeiros pasmavam e anotavam o sabor arcaico do viver rural, onde nada se passava.
O passado mítico andava longe, e a nação cansada vivia uma atmosfera de devorismo e opressão, nenhuns desastres de guerra foram então compreendidos, nem o heroísmo das batalhas recém vividas, até por alguns destes jovens, que serviram nas fileiras liberais, contra absolutistas, tanto como Garrett ou Herculano. O doce romantismo cumpria assim o fado português.
Com mestres medíocres, era impossível a estes pintores encontrar o caminho da « grand manière», assim o pitoresco corroeu a situação estética, presa de fios ocultos duma teia mental, que demoraria ainda muito a actualizar.
Produtos duma nova era estes artistas eram todos dissidentes infiéis de Fonseca,  e liderando esta revolução romântica, estava o ainda assim,  «pai tranquilo», Tomás da Anunciação. Docemente se tinham rebelado em 1844, quando reagiram, abandonando as aulas, contra a escandalosa preferência dada ao filho de mestre Fonseca no concurso de pintura histórica. Queriam reformar os velhos programas enfermados de vetustas teias de aranha, que os deixassem pintar do natural. Mas o mais radical era realmente Cristino que em 1847 abandonaria os estudos académicos. Viver  e pintar em Portugal seria para eles desagradável, um deserto, como escreveria Luís de Meneses, então a demorar-se por Itália e por Paris.
O processo de legitimação da sensibilidade romântica foi assim penosa, lenta e incerta, não permitindo falar sem risco, num movimento coerente, ordenado, uma estética comum, uma consciência partilhada e apreciada por um público fantasma. E mais grave ainda, esta situação de orfandade conceptual haveria de com altos e baixos de subsistir até aos nossos dias, onde apenas em raros e mediáticos percursos individuais, a nossa periférica condição cultural, teima em, contra todos os investimentos, persistir.