Em 1809 Lord Byron visitou Sintra, que ajudou a inscrever no imaginário europeu, como um paraíso romântico (Child Harold´s Pilgrimage, canto I,18). Naturalmente associado a Sintra e a Byron, está o quadro, "Cinco Artistas em Sintra", de 1855 (óleo sobre tela;128,8 x 86,3 cm, actualmente no museu do Chiado, de João Cristino da Silva. Representa cinco artistas no campo, desenhando do natural, Anunciação sentado no centro, atrás dele, Metrass de pé, aldeões observam curiosos, à direita num segundo plano estão Bastos e Cristino de pé, sentado e desenhando também Rodrigues, ao longe o castelo da pena, numa premonição curiosa, pois o príncipe Saxe Coburgo-Gotha haveria de adquirir a obra.O glorius Eden invenção do poeta apropriou-se da montanha da lua, e mitificou-a em roteiro europeu do Romantismo.
A seguir Tomás de Anunciação (1818-1879), Francisco Metrass (1825-1861), Vitor Bastos(1829-1894), José Rodrigues (1828-1887), e João Cristino da Silva (1829-1877) saiam dos seus ateliers e da suas gramáticas escolares, percorrendo saudavelmente, as veredas da serra, a ver os ares e as gentes. Pertencem pois ao ciclo do romantismo, que entre nós, chega com um atraso de uma geração, praticam uma pintura de paisagem e o retrato, e têm o culto da natureza.
No liberalismo institucionalizado em 1834, a fundação de museus e academias nacionais em Lisboa e Porto, não chegavam para preencher as lacunas dum enquadramento cultural periférico, com poucos estímulos profissionais.
O grupo hostilizava com fundamento o ensino personificado em Lisboa por António Manuel da Fonseca, preferindo seguir as influências de A. Roquemont (1804-1852), que veio para o país servir D. Miguel, de quem pintou o retrato. Este pintor de costumes populares, romarias e procissões, cenas rustícas do quotidiano, nascido na Suiça, servia uma clientela de velhos aristocratas e novos-ricos.
O programa deste grupo de jovens artistas, se o houve, reunido em torno de Tomás de Anunciação, o mais velho, bom desenhador e sobretudo animalista, que escolhia a hora dourada sobre os campos, (como os fotógrafos haveriam mais tarde, também de realçar), a hora nostálgica do poente, em contraposição à geração seguinte, ar livrista, que preferiu a plena luz do dia. Anunciação pintou vacas, cavalos ovelhas e cabras. Cristino paisagista, deixou-nos além do retrato colectivo, programático do romantismo, outro exemplar registo da visão romântica da paisagem, no quadro "Aspectos de Sintra".
Esse sentido de geração evidente no grupo de cinco artistas, reunido à volta de Anunciação, substituía as gravuras referenciais do academismo pelos temas captados directamente, por um levantamento das vistas de paisagens portuguesas, descobrir os camponeses, que sem revolução industrial, mantinha a sua pele rústica e analfabeta, vestida de ancestral ideologia católica.
Ao misturar-se com esses camponeses estes artistas marcam o seu lugar sociológico, divididos entre a inspiração e a conquista do seu lugar sócio profissional na sociedade.
Sem beneficiar de bolsas de formação no estrangeiro, a pintura por eles produzida, ultrapassou essas limitações pela procura de efeitos dramáticos, e por um sentimento subjectivo da paisagem natural. Só mais tarde denominado romântico, em acordo estético mais consonante com os ciclos da história literária, e mesmo assim sem a vivência desta, animou a epiderme artística da capital, na acalmia do desenvolvimento económico regenerador liberal.
Em mostras anuais promovidas pela Sociedade de Belas Artes onde se sorteavam entre os sócios os prémios, permitindo a formação de um público, que se estendia à importante colónia brasileira, que apreciava um registo de paisagens e costumes doces e neutrais, (equivalentes plásticos dos romances de Júlio Dinis). A imagem de um bom povo pitoresco, entristecido, que habitava espaços rurais, que a nascente revolução industrial, deixava, (e deixaria ainda por muito tempo), intactas.
Sintra oferecia-se assim à iconografia internacional, espaço amplo do grall romântico nacional, em dois quadros que Cristino expunha nos salões da Sociedade promotora das Belas Artes, antes de morrer louco.
De frente para a tela, recordamos os poemas de Byron e de Garrett, cuja correspondência plástica aqui tem referência final. Agreste e vasta planície, a rocha ao centro, que tudo oculta e parece romper o rectângulo do quadro. E ao longe o delirante castelo neomedieval, sonhado e realizado por D. Fernando II. A pena maravilha quase sem rival "lá fora".
O quadro, pela posição da torre do relógio do lado esquerdo, parece ter sido captado num ponto a sudoeste, em direcção ao mar.
Sabemos também que naquela data, a vegetação arbórea não existia, as árvores e as manchas apareciam apenas em determinados pontos, nas fraldas da serra e vales profundos, onde havia água ou junto da vila.
Cristino parece ter seguido de perto o figurino iconográfico da pintura alemã, transcendente e sublime. As massas de rocha sempre fascinaram os visitantes de Sintra com a sua plasticidade pétrea. E nesta pintura a massa rochosa quase domina o enquadramento, encobrindo o horizonte fazendo do primeiro plano o lugar cenográfico onde ocorre a cena principal.
Mas a paisagem seria em portugal apenas ocasião para o pitoresco e discreto sentimentalismo. O pitoresco era garantido pelo fechamento do país ao progresso, "ainda se viajava de liteira pelos difíceis caminhos do interior", os estrangeiros pasmavam e anotavam o sabor arcaico do viver rural, onde nada se passava.
O passado mítico andava longe, e a nação cansada vivia uma atmosfera de devorismo e opressão, nenhuns desastres de guerra foram então compreendidos, nem o heroísmo das batalhas recém vividas, até por alguns destes jovens, que serviram nas fileiras liberais, contra absolutistas, tanto como Garrett ou Herculano. O doce romantismo cumpria assim o fado português.
Com mestres medíocres, era impossível a estes pintores encontrar o caminho da « grand manière», assim o pitoresco corroeu a situação estética, presa de fios ocultos duma teia mental, que demoraria ainda muito a actualizar.
Produtos duma nova era estes artistas eram todos dissidentes infiéis de Fonseca, e liderando esta revolução romântica, estava o ainda assim, «pai tranquilo», Tomás da Anunciação. Docemente se tinham rebelado em 1844, quando reagiram, abandonando as aulas, contra a escandalosa preferência dada ao filho de mestre Fonseca no concurso de pintura histórica. Queriam reformar os velhos programas enfermados de vetustas teias de aranha, que os deixassem pintar do natural. Mas o mais radical era realmente Cristino que em 1847 abandonaria os estudos académicos. Viver e pintar em Portugal seria para eles desagradável, um deserto, como escreveria Luís de Meneses, então a demorar-se por Itália e por Paris.
O processo de legitimação da sensibilidade romântica foi assim penosa, lenta e incerta, não permitindo falar sem risco, num movimento coerente, ordenado, uma estética comum, uma consciência partilhada e apreciada por um público fantasma. E mais grave ainda, esta situação de orfandade conceptual haveria de com altos e baixos de subsistir até aos nossos dias, onde apenas em raros e mediáticos percursos individuais, a nossa periférica condição cultural, teima em, contra todos os investimentos, persistir.
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