sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Mundo da Arte
Arte e Artistas

Todos os que criam obras de Arte e a sociedade em geral, estão convencidos que aquela exige talentos especiais, dons ou aptidões que só alguns possuem. E nem todas merecem o titulo honorifico de artista. Um artista seria alguém dotado para fazer mais ou menos bem, aquilo que os outros ou não conseguem ou fazem mal. Esse reconhecimento e feito através das obras, que encarnam os talentos dos seus autores.O exame dessas obras revela a singularidade dos seus autores. Geralmente atribuímos privilégios especiais a quem demonstre possuir esses dotes singulares. No outro extremo temos o mito romântico cuja argumenta;ao defende que os autores possuidores de tais dotes não devem estar sujeitas aos constrangimentos normalmente aceites para os outros agentes da sociedade. Em troca a sociedade recebe obras de carácter excepcional e de valor inestimável. Esta crença não é  comum a todas as sociedades, é uma prerrogativa das sociedades ocidentais, sobretudo a partir do Renascimento. 
Encontramos a prova disso na evolução dos contratos redigidos entre os pintores e os seus clientes, num dado momento esses contratos estipulavam  o género de pintura, as modalidades de pagamento e, sobretudo a gama de cores a utilizar, com especial atenção ao uso do dourado e dos azuis mais dispendiosos. Um contrato assinado em 1485 entre Domenico Ghirlandaio e um cliente, membro da igreja, especificava que o pintor devia: Pintar o quadro a expensas próprias, com cores de boa qualidade e com pó de ouro sobre os ornamentos, como é de regra(...) e o azul deve ser ultramarino, com o preço de quatro florins a onça(...), (citado por Michael Baxandall,1972, p.6.). Na mesma época, alguns clientes preocupavam-se menos com a qualidade dos materiais e mais com a qualidade de execução. Um contrato entre ouro homem da igreja e o pintor Piero della Francesca enfatizava que «nenhum outro pintor senão o próprio Piero poderá executar a tarefa», (Baxandall, 1972 p.20). O cliente do século XV, parece ter pretendido mais demonstrar a sua opulência através da qualidade específica de «comprador de talentos». 
Esta  não era senão a primeira etapa no sentido da actual e muito arreigada convicção de que uma obra de arte se distingue antes de mais, pela expressão do talento e da imaginação singular de um grande artista, contudo naquele momento, a especial individualidade do artista que já era reconhecida não lhe conferia ainda o estatuto que mais tarde havia de adquirir.
Apesar de os artistas poderem exibir os seus dotes singulares, é contudo conveniente garantir que apenas aqueles que possuem tais atributos podem aceder a uma posição destacada.
Existem mecanismo muito concretos que fazem essa triagem e que variam de forma diferente em várias sociedades. Num extremo temos a corporação ou a academia (Pevsner,1940), que exigem uma longa aprendizagem e que excluem aqueles que não aprovarem. Nos países onde o estado não concede autonomia à arte o acesso à prática do ofício é igualmente restritiva. No outro extremo países como os EUA, onde todos podem aprender, aqueles que querem participar na criação artística estão submetidos aos mecanismos do mercado livre que revelam e distinguem os talentos uns dos outros.
No fundo é preciso garantir a diferença entre um produto da arte e um produto industrial, ou de um outro artesanal, ou por ultimo de um objecto natural. As actividades não artísticas são assim relegadas para o estatuto de mera destreza manual, ou de jeito para o negócio, não lhes sendo reconhecidas nenhumas singularidades especiais, são os assistentes ou ajudantes, e o título de artista fica para os que exercem as actividades nucleares, criativas, digamos assim. Fica a pergunta, até que ponto se pode restringir a actividade nuclear sem se perder o estatuto de artista?



quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Um mundo a conquistar
Marxismo, arte e história de arte

Os formalistas seguidores  de S. João acreditam que no inicio era o verbo. Mas nós acreditamos que no inicio era a acção.
(Trotsky 1925)


Picasso escolheu permanecer em Paris durante a ocupação alemã na segunda guerra mundial. Entre as pinturas que tinha no seu atelier estava Guernica de 1937, um mural de grandes dimensões, em cuja génese estava o bombardeamento pela aviação alemã à cidade de Guernica, capital do pais Basco durante a guerra civil espanhola. Quando um oficial alemão entrou no seu estúdio e perguntou se a obra era dele, Picasso terá respondido que não, que era dele. Noutra ocasião quando as tropas alemãs saiam da cidade,  no final da guerra, distribuiu aos soldados postais com a imagem de Guernica.
Estas histórias servem para enfatizar a ressonância e o poder da imagem. O estilo e o conteúdo da Guernica enquadraram o debate entre socialistas e comunistas, demarcando as fronteiras estéticas e politicas dos estudos académicos a partir dos anos 30 e seguintes.
Karl Marx (1818-1883) foi um socialista revolucionário, um filosofo social e um economista politico. Formado em filosofia e direito Marx era um internacionalista com aspirações dentro do «European Enlightenment», Uma esperança ao vicioso e explorador carácter do capitalismo do século XIX, defendia uma radical transformação das condições sociais, culturais e políticas, e ficou conhecido pelo seu Manifesto Comunista (1848), publicado em colaboração com Friedrich Engels (1820-1895), e pela publicação do  Das Kapital, cujo primeiro volume data de 1867.
Marx nunca desenvolveu uma teoria da arte, embora a estética seja um interesse intrínseco ao seu trabalho, Marx foi ambíguo acerca da possibilidade das suas ideias poderem ser utilizadas pelas gerações seguintes, por "discípulos zelotas", ao formularem uma critica social da cultura, (Craven 2002:267). Mas apesar da sua aparente reticência, a inspiração das ideias Marxistas acabaram por influenciar o contexto das teorias sociais duma forma incontornável. As teorias Marxistas acabaram por radicalizar a história da arte como disciplina académica. Apesar disso o Marxismo inspirou a história social da arte, não apenas no que diz respeito com a sua produção material, a sua influência também se fez sentir na atenção dada às instituições e aos interesses envolvidos na sua promoção e consumo, e nas suas implicações de ordem política, assim como ao seu valor estético e significado,(Boime 1971;Wallach 1998).
No conceito Marxista sobre a arte, (na essência como reagimos ao que vemos), a arte é uma prática altamente especializada assim como uma forma de consciência social. A arte não é percebida como um valor-livre, mas sim como qualquer outra representação cultural, o seu conhecimento é  ideológico. O Marxismo argumenta que durante o processo histórico as representações hegemónicas ou dominantes da realidade pela sociedade, são aquelas que servem os interesses das classes dominantes e das elites, mais do que aquelas das classes divorciadas do poder e da influência. O Marxismo defende que a arte não é uma actividade desinteressada ou transcendente, mas antes uma especializada prática material que medeia um complexo e indirecto caminho cultural, social, político.
A critica Marxista da arte, não se aplica apenas a analisar as sociedades, mas tem um engajamento com as conexões económicas e com a libertação política, e defende uma aspiração  radical  a uma e mais autentica identidade humana.

terça-feira, 3 de setembro de 2019

Fotografia e realismo

A partir do século XV a pintura era uma prática que oferecia uma imagem para o conhecimento do mundo. O modelo da câmera escura, foi utilizado para reforçar esse desígnio, e estimulou dois avanços, ambos afectariam a produção pictórica no início do século XIX. Um foi a nova tecnologia fotográfica. O outro que na realidade foi anterior à fotografia, era o novo sistema de valores da expressão. E se um parecia questionar os fundamentos da pintura, o outro parecia salvá-los. 
Como se relacionava então a emergência da fotografia com a pintura? Por um lado podemos examinar os efeitos na gama de produtos que oferecia a pintura, à medida que, nas décadas de 1840 e 1850, se criavam empresas fotográficas por todo o mundo industrializado. A fotografia introduziu-se rapidamente na representação visual, no retrato e na observação. E um grande número de miniaturistas perdeu o seu trabalho. A nova técnica mecânica oferecia este serviço de uma forma mais barata e eficaz. Alguns miniaturistas como sir William Newton, que trabalhava para a rainha Victória, trocaram os pincéis pela câmera. Assim em questões de registo de uma realidade fiel ao modelo, na topografia ou na reportagem, a fotografia não tardou  a assumir uma posição privilegiada. Tornou-se um meio de confiança, na transmissão de uma realidade objectiva.Continua a gozar desse estatuto, embora desde há muito tempo que todo o mundo sabe, dos seus registos selectivos, e dos efeitos manipuladores a que pode submeter-se a imagem captada.
Esse sentido de objectividade que concedemos à fotografia deriva em primeiro lugar da pintura que utiliza as regras da perspectiva. A ideia subjacente de que se chega mais depressa à verdade sobre os objectos no espaço, fixando a visão num único ponto e registando as variações de luz no interior de um marco dado. Por isso se apropriou a fotografia dos produtos que a pintura oferecia, e era ainda reprodutível e mais barata.
O acesso massivo do produto mecânico deu à pintura uma valor comparativo de raridade, e converteu-a num produto cuja posse dava estatuto social. Na realidade a Europa do século XIX, presenciou um grande aumento na produção pictórica , em grande medida devido ao facto do grande prestigio que a burguesia florescente atribuía à posse de pinturas. Foi assim que alguns pintores de retratos lograram conservar o seu ofício.
Contudo se considerar-mos a pintura como um projecto, uma instituição que encarna valores culturais, surge um segundo tipo de relação entre esta e a fotografia. A pintura como ideia gerada sobretudo mentalmente, mais do que a impressão transmitida pelos efeitos externos. Por isso cinquenta anos antes  da invenção da fotografia sir Joshua Reynolds podia oferecer uma réplica à câmera, o elemento próprio da pintura era  a alma, a sensibilidade e a imaginação. Estas questões servem para explicar porque o famoso grito do pintor Paul Delaroche em 1839, «desde hoje a pintura está morta» estava desfasada, tanto em termos de produção real como nos princípios.
Mas havia  um factor que iria complicar  a situação, a viragem da pintura para modelos internos e idealistas associados ao romantismo, que correspondiam de facto à paisagem mental que precedeu a chegada da fotografia. Os gestos místicos desses modelos de pintura podiam ter sido inovadores  no final do século XVIII, porem na década de 1840 eram um cliché um tanto rançoso. Pintores como John Everett Millais e William Holman Hunt, em Londres, Adolph von Menzel em Berlim ou Gustave Courbet em Paris, estavam cada um à sua maneira e suplantar esse idealismo. O de Caspar David Friederich, por exemplo, com a sua pintura,  "caminhando sobre um mar de nuvens" de 1818, por um novo rigor de representação baseado nos acontecimentos, e em factos. Não olhar para o infinito, mas antes para as pedras, para as coisas.