Fotografia e realismo
A partir do século XV a pintura era uma prática que oferecia uma imagem para o conhecimento do mundo. O modelo da câmera escura, foi utilizado para reforçar esse desígnio, e estimulou dois avanços, ambos afectariam a produção pictórica no início do século XIX. Um foi a nova tecnologia fotográfica. O outro que na realidade foi anterior à fotografia, era o novo sistema de valores da expressão. E se um parecia questionar os fundamentos da pintura, o outro parecia salvá-los.
Como se relacionava então a emergência da fotografia com a pintura? Por um lado podemos examinar os efeitos na gama de produtos que oferecia a pintura, à medida que, nas décadas de 1840 e 1850, se criavam empresas fotográficas por todo o mundo industrializado. A fotografia introduziu-se rapidamente na representação visual, no retrato e na observação. E um grande número de miniaturistas perdeu o seu trabalho. A nova técnica mecânica oferecia este serviço de uma forma mais barata e eficaz. Alguns miniaturistas como sir William Newton, que trabalhava para a rainha Victória, trocaram os pincéis pela câmera. Assim em questões de registo de uma realidade fiel ao modelo, na topografia ou na reportagem, a fotografia não tardou a assumir uma posição privilegiada. Tornou-se um meio de confiança, na transmissão de uma realidade objectiva.Continua a gozar desse estatuto, embora desde há muito tempo que todo o mundo sabe, dos seus registos selectivos, e dos efeitos manipuladores a que pode submeter-se a imagem captada.
Esse sentido de objectividade que concedemos à fotografia deriva em primeiro lugar da pintura que utiliza as regras da perspectiva. A ideia subjacente de que se chega mais depressa à verdade sobre os objectos no espaço, fixando a visão num único ponto e registando as variações de luz no interior de um marco dado. Por isso se apropriou a fotografia dos produtos que a pintura oferecia, e era ainda reprodutível e mais barata.
O acesso massivo do produto mecânico deu à pintura uma valor comparativo de raridade, e converteu-a num produto cuja posse dava estatuto social. Na realidade a Europa do século XIX, presenciou um grande aumento na produção pictórica , em grande medida devido ao facto do grande prestigio que a burguesia florescente atribuía à posse de pinturas. Foi assim que alguns pintores de retratos lograram conservar o seu ofício.
Contudo se considerar-mos a pintura como um projecto, uma instituição que encarna valores culturais, surge um segundo tipo de relação entre esta e a fotografia. A pintura como ideia gerada sobretudo mentalmente, mais do que a impressão transmitida pelos efeitos externos. Por isso cinquenta anos antes da invenção da fotografia sir Joshua Reynolds podia oferecer uma réplica à câmera, o elemento próprio da pintura era a alma, a sensibilidade e a imaginação. Estas questões servem para explicar porque o famoso grito do pintor Paul Delaroche em 1839, «desde hoje a pintura está morta» estava desfasada, tanto em termos de produção real como nos princípios.
Mas havia um factor que iria complicar a situação, a viragem da pintura para modelos internos e idealistas associados ao romantismo, que correspondiam de facto à paisagem mental que precedeu a chegada da fotografia. Os gestos místicos desses modelos de pintura podiam ter sido inovadores no final do século XVIII, porem na década de 1840 eram um cliché um tanto rançoso. Pintores como John Everett Millais e William Holman Hunt, em Londres, Adolph von Menzel em Berlim ou Gustave Courbet em Paris, estavam cada um à sua maneira e suplantar esse idealismo. O de Caspar David Friederich, por exemplo, com a sua pintura, "caminhando sobre um mar de nuvens" de 1818, por um novo rigor de representação baseado nos acontecimentos, e em factos. Não olhar para o infinito, mas antes para as pedras, para as coisas.
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