quinta-feira, 23 de maio de 2019

A Invenção da Arte

 Num tempo de confusão sobre o que é a Arte, sobre o seu papel no mundo, gostava de fazer uma breve reflexão acerca do "conceito da ideia de Arte".  O meu desejo, é colocar, aquele recente conceito, num contexto histórico, digamos entre o séc. XIII e os nossos dias.
 Quando num museu deparamos lado a lado com obras de artistas modernos ou contemporâneos, com obras de escultura africanas ou de outros continentes que não o europeu, sinto um incómodo, provocado pelo choque que objectos oriundos de contextos diversos, quer na sua intenção funcional quer na sua função estética, serem assimilados por um olhar desprevenido, que a todos eles atribui o mesmo conceito de obra de arte. 
 Não me choca a recente migração de objectos como máscaras, figuras esculpidas, artefactos, instrumentos de música, ou outros, fizeram dos museus de antropologia colonial, para os círculos restritos do gosto estético contemporâneo, levado a apreciar muitas vezes num mesmo plano, essas distintas manifestações simbólicas. O que me espanta é o desconhecimento de que na origem desses objectos, nos locais da sua produção original, o conceito de obra de arte não existir, nem sequer o hábito de os contemplar como arte, mas sim de serem objectos com cargas mágicas e rituais, inseparáveis do seu meio, veículos de comunicação com o "além", nos antípodas do seu consumo actual, como obras de arte em si mesmas, comparáveis ou mesmo estando na origem de movimentos estéticos europeus, hoje já distantes, no início do séc.XX, como o cubismo, por exemplo.
 Desligadas como estão hoje, as funções úteis, das estéticas, nas obras de arte ocidental, que permitem consumir per si, qualquer objecto candidato à apreciação, libertando assim do campo da interpretação o factor "para que é que serve", resta apenas na maior parte das vezes a evidência de que não fazem já parte do todo, na sua relação simbólica, e até mesmo no seu direito à existência.
 Pelo contrário aquela migração  milagrosa dos objectos ritualizados, sujeitos ao uso em cerimónias de iniciação religiosa, para o espaço do museu, enquanto instituição criada num contexto histórico bem definido, quando para Arte, não havia uma palavra africana, e também não existia nem a ideia de coleccionismo, mercado, ou exposição pública.
 Depois de terem cumprido a sua função, esses objectos eram guardados, longe da vista profana, até serem de novo necessários à lógica secreta dos rituais.
 Por isso o hábito de os colocar ou evocar em espaços museológicos modernos, ou em retóricas discursivas, faz-me subitamente perceber, que o conceito de arte, por nós hoje aplicado, é no mínimo problemático.
 Uma das conclusões que podemos tirar para perceber o que acontece quando objectos rituais provenientes de culturas de  outros continentes, são transformados em arte no moderno sentido do termo, é que instituições como museus, salas de concertos, ou currículos literários, são essenciais para a formação e transformação de "coisas", em objectos de arte, e que isso se processa desde o séc. XIII, quando se iniciou aquilo a que podemos chamar,  "a invenção da arte", voltarei a isto em breve.

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