segunda-feira, 25 de maio de 2015

Sobre a arte do retrato e os mitos da origem da pintura

Na História Natural, Plínio o Velho, refere-se por duas vezes à origem da pintura, e nelas em particular identifica-as com a origem do retrato.

Conta a história da modelagem em argila, (também por isso poderia ser a origem da escultura), Butades de Sycione de Corino, e atribui ele a invenção à sua filha que enamorada de um soldado que ia partir para a guerra, contornou com uma linha os traços do seu rosto, que tinha feito projectar na parede através duma vela acesa, a seguir o ceramista modelou os relevos do rosto e pôs o resultado a secar.

O mito é depois retomado em versões resumidas por Quintiliano, Leonardo e Vasari, e é a doutrina da «circumductio umbrae» que nasce. Aparentemente a narrativa não narra senão o nascimento do desenho da pintura e se quisermos da escultura. O desenho aqui é sobretudo encarado como uma arte de esboços, preparatória da pintura, e o próprio Plínio define o bom desenho como aquele que cria a ilusão de volume.

O mito sugere curiosamente e de forma interessante, a íntima relação entre a sombra, o perfil e uma história de amor por um lado, e a pintura por outro. Assim a pintura desde o início aparece relacionada com uma dupla ou tripla representação. Que virtudes possui a sombra que curiosamente não surge num espelho mas projectada na parede e imprecisa, cujo interior é necessário completar, e aqui conta sobretudo a semelhança com o original, neste caso o natural?

Para Francisco de Holanda o desenho é a base da pintura, que já a contém em si, e o mito acima descrito têm a virtude de ligar desde o início, a arte de retratar à pintura, e por outro lado à morte.

Paul Valéry por sua vez notava que quando se olha um retrato se percorre sem interrupções toda a sua superfície, contornos e expressões como se nada pudesse escapar à observação. E que a dificuldade começa quando se pretende desenhar e a mão não obedece ao olhar.

O mito indica por isso sobretudo uma aprendizagem, ao contornar a sombra do rosto do amado «com um bocado de carvão», escreve mais tarde Vasari, a filha do ceramista segue de modo preciso o caminho traçado pelo olhar. Mas porque é que como sugere Plínio essa aprendizagem do desenho começa com o traçado de um rosto? Talvez porque um rosto contém em si "todas as formas do mundo". A sombra aproxima o retrato da morte, pela recusa da perenidade da vida humana, e pelo desejo de eternidade assim expresso no sinal traço.

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